XII DOMINGO TEMPO COMUM – ANO A
21 de Junho 2020
AS LEITURAS DO DIA
Jer 20, 10-13: Salvou a vida dos pobres das mãos dos perversos.
Salmo 68: pela vossa grande misericórdia, atendei-me Senhor.
Rom 5, 12-15: O dom gratuito não é como a falta.
Evangelho Mt 10, 26-33: Não temais os que matam o corpo.
A PALAVRA É MEDITADA
"Não há nada encoberto que não venha a descobrir-se, e nada há oculto que não venha a conhecer-se”.
Parecem certamente escuras estas palavras de Jesus que lemos na abertura do texto evangélico deste domingo. Palavras escuras, mas, por aquilo que conseguimos perceber, palavras também duvidosas. Na verdade, deve-se revelar todo o segredo, e descobrir tudo aquilo que está escondido? Não será talvez excessiva uma pretensão do género?
Tal pretensão aparece-nos duvidosa sobretudo hoje, diante de uma sociedade que quer tutelar toda a forma de privacidade, a reserva, o "segredo" de cada um. Todos – diz-se – têm direito às próprias convicções e às próprias escolhas; mas todos – diz-se ainda a- têm também direito a ter para si as próprias ideias, sem as querer à força submeter ao olhar indiscreto dos outros. Deste modo procura-se distinguir claramente a vida pública da vida privada, o papel social da identidade pessoal. E o motivo parece apenas um: o de defender até ao fim a dignidade de cada um.
As intenções desta defesa da privacidade parecem certamente boas e construtivas. E, todavia, existe qualquer coisa que não convence neste raciocínio da sociedade. Aparece, na verdade, um raciocínio contraditório diante do excesso de falta de vergonha que caracteriza o actual viver civil. De facto, enquanto se prega com insistência o respeito pela privacidade de cada um, acontece que muitos põem tranquilamente na praça pública os próprios sentimentos e as próprias paixões, muitas vezes sem um mínimo de respeito e de decência: jornais, televisões, redes informáticas estão cheias desta publicidade.
Mas também a nossa vida pessoal funciona deste modo. Todos somos facilmente um pouco sem vergonha: por exemplo todos, pelo menos alguma vez, deitamos na cara aos outros os nossos humores, ou sobretudo os nossos maus humores; e deste modo fazemos violência aos outros, impondo-nos prepotentemente à sua atenção. Acontece assim que a nossa comunicação quotidiana contradiga radicalmente as nossas teorias sobre o respeito da consciência dos outros, sobre a defesa da privacidade, sobre a tutela do segredo de cada um.
É precisamente desta contradição que o Evangelho de hoje nos quer fazer sair. "Não há nada encoberto que não venha a descobrir-se, e de segredo que não venha a conhecer-se. Aquilo que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia; o que escutais ao ouvido proclamai-o sobre os telhados" (Mt 10,26s.). por outras palavras: existe um tempo para calar e um tempo para falar; um tempo para manter os segredos e um tempo para os revelar. E isto é: existe o tempo da escuta e o tempo do anúncio; o tempo em que estendes o ouvido e o tempo em que abres a boca; o tempo em que fazes silêncio diante de uma verdade que não é tua e o tempo em que dás voz à verdade que descobriste. São dois tempos diversos, mas ambos necessários à vida do homem.
Porque não basta defender a própria privacidade: correr-se-ia o risco do isolamento, e por fim o medo obsessivo. Como de outro lado não basta dar voz às próprias ideias: correr-se-ia o risco de falar no vaio, com violência e sem uma razão. E afinal existe um tempo para calar e um tempo para falar.
Não nos resta, então, que invocar o Pai de Jesus, para que encha da sua verdade os nossos silêncios e os nossos segredos. Só Ele – o Senhor que perscruta o coração e a mente, o Deus que conhece todos os cabelos da nossa cabeça – só Ele poderá encher de sentido as nossas palavras; e só a sua verdade poderá de verdade libertar-nos dos medos da violência de todos os dias.
A PALAVRA É REZADA
Não posso calar e, todavia,
falando, não posso evitar de atingir
a mim próprio com a espada da Palavra de Deus.
Falarei, falarei. Que a espada da palavra de Deus passe,
também através de mim mesmo,
para chegar e trespassar o coração do próximo,
a tocá-lo em profundidade no Espírito.
Falarei, falarei. Que a Palavra de Deus
se faça sentir através de mim,
mesmo, antes de ser contra os outros,
seja contra mim. Ámen.
(In Qumran, e La Chiesa: tradução livre de fr. José Augusto)