II DOMINGO DA QUARESMA – ANO A
8 de Março 2020
AS LEITURAS DO DIA
Gen 12, 1-4: Vocação de Abraão, pai do povo de Deus.
Salmo 32: Esperamos senhor na vossa misericórdia.
2Tim 1, 8-10: Deus nos chama e ilumina.
Evangelho Mt 17, 1-9: O seu rosto ficou resplandecente como o sol.
A PALAVRA É MEDITADA
Todos os anos a liturgia nos faz contemplar, dentro do itinerário quaresmal, o mistério da transfiguração do Senhor. Depois de nos ter feito contemplar Jesus frágil, tentado, posto à prova em todas as cosias como nós, no segundo domingo a Igreja convida-nos a confessar que precisamente neste homem frágil, normal, em tudo igual a nós, mora a glória de Deus.
Eis a ligação profunda entre o primeiro e o segundo domingo da quaresma: Deus habita, com a sua luz inefável, na fraqueza humana. É para dizer esta profunda e paradoxal realidade que o evangelista Mateus lembra todos os símbolos das teofanias das Escrituras de Israel – a nuvem, a luz, o trovão, a voz do céu, a sombra – e refere-os à pessoa de Jesus. No homem Jesus, tentado como qualquer homem, que deve como todos, realizar a sua viagem, o próprio Deus está-se a revelar definitivamente, está-se a tornar presente, está a habitar a trama da história da humanidade.
* A fraqueza é a morada de Deus. Onde a contemplação da Transfiguração nos pede para chegar hoje é precisamente aqui. O olhar sobre Jesus transfigurado deve tornar-se também olhar sobre nós mesmos, nova compreensão de nós e da nossa pobre vida de mulheres e homens, como lugar em que precisamente graças à nossa fraqueza, Deus vive, se torna presente. De que modo a fraqueza pode ser sacramento de Deus? Os antigos padres do deserto, nos seus ensinamentos, tinham qualquer coisa a dizer a este respeito que é precioso ainda hoje para nós, um ensinamento que nos pode ajudar verdadeiramente a saber tirar do evangelho uma sabedoria de vida, que nos ajude a viver melhor a nossa aventura de mulheres e homens. Eles diziam que Deus deve ser procurado não no final das nossas lutas quotidianas, mas nelas, enquanto acontecem, e o único modo que temos para encontrar Deus, é então permanecer sempre na luta, sem procurar esquecer as trevas que estão em nós, que nos fazem fazer aquilo que não nos agrada.
Viver significa lutar. A vida de cada um de nós é uma longa, fascinante, difícil viagem pra a reunificação das partes de nós que estão desagregadas. A primeira leitura faz-nos escutar a narração do início da viagem de Abraão, que é a viagem da fé, o caminho de todo o crente. Abraão compreende que Deus lhe está pedindo uma separação, um afastamento, para entrar numa incerteza salutar, numa escuridão graças à qual deve aprender a confiar em Deus.
Mas isto vale para todos nós. A viagem da vida enfraquece, faz arrumar as casas, as certezas, os pais, até confiarmos apenas em Deus. Deixar tudo, permanecer expostos e fracos, renunciar a todos os apoios para viver de fé, é o verdadeiro sentido da Quaresma. Por isso a fraqueza se torna um lugar onde se encontra Deus.
* E enquanto caminhas, como Abraão, como o próprio Jesus, aprendes que Deus existe sempre, é de verdade amor incondicionado, absoluto, que existe também nos momentos de trevas. A fé da Igreja compreendeu que a Transfiguração é também um dom feito aos discípulos para reforçar a certeza da presença de Deus na paixão de Jesus, no momento mais escuro da sua vida. Os discípulos são ajudados a acreditar, mas esta realidade é também nossa, fala de nós, não só de Jesus. Deus está presente na nossa viagem débil sem medir a sua presença sobre aquilo que estamos a fazer, sobre quanto estamos conseguindo na luta, sobre a coerência que estamos conseguindo viver, sobre as vitorias que conseguimos alcançar.
* Mas noutro sentido Deus encontra-se na fraqueza. Só a viagem da fé frágil te faz chegar à compaixão, ao amor. E chegar a amar significa chegar a encontrar Deus. Vivendo assim, pouco a pouco abraçamos as nossas fraquezas e as dos outros, e aprendemos à imagem de Deus a ser misericordiosos. Compreendemos que aquilo que nos une todos não são antes de mais as virtudes, os nossos pontos força, mas as nossas fraquezas.
Mas chega-se aqui só depois que aprendeste a abraçar e conhecer a própria fraqueza, que te faz amar ti próprio e aos outros. Eis o final da viagem para a fraqueza: só essa te faz aprender a amar. Que depois é a finalidade da Quaresma, a finalidade verdadeira: não chegar a realizar impressionantes gestos de jejum, de vigília, de abstinência das coisas, mas chegar a tocar com mão a própria fragilidade, para que o coração se derreta e se torne misericordioso. Pode parecer estranho concluir assim, hoje, no dia em que lemos a narração da Transfiguração do Senhor … mas se fosse mesmo assim?
A PALAVRA É REZADA
Deus nosso Pai, Deus de Abraão,
que tu sejas bendito por este homem:
ao teu apelo pôs-se a caminho
para a terra que tu lhe terias indicado.
Que tu sejas bendito pela fé deste crente
que deu início ao povo da promessa:
nele tu quiseste chegar a todas as famílias da terra.
Que tu sejas bendito por todos os homens e mulheres
que ainda hoje partem à procura de ti,
pela multidão imensa de peregrinos desejosos de infinito.
Nós te damos graças pelo teu Filho,
Jesus de nazaré, que no dia da sua transfiguração no monte
revelou a luz divina que o habitava.
Que tu sejas bendito pelo teu Filho
que ressuscitado, está presente no meio de nós.
É belo para nós estar aqui como povo dos crentes,
testemunhas da tua aliança, chamados a fazer a nossa parte
para transformar esta terra.
Ámen
(In Qumran, e La Chiesa: tradução livre de fr. José Augusto)